Peças chaves da acusação, mensageira, motorista e homem que teria conseguido arma são afastados do crime de homicídio por falta de provas
Após a condenação pela Justiça em maio de 2014 de 80 pessoas acusadas pelos atentados de novembro de 2012 e de fevereiro de 2013 no Estado, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) tenta comprovar a vinculação do Primeiro Grupo Catarinense (PGC) com outro crime de repercussão estadual: o assassinato da agente prisional Deise Fernanda Melo Pereira Alves, na noite de 26 de outubro de 2012. É esta a principal tese da acusação dos promotores que vão atuar no júri popular que começa nesta terça-feira (29), no Fórum de São José, na Grande Florianópolis. Cópia da sentença judicial e das investigações da polícia civil sobre os atentados foram os últimos documentos inseridos pelo MPSC neste processo criminal. Mas é justamente no elo entre a facção criminosa e o homicídio que a defesa dos acusados vai tentar desconstruir as provas da Promotoria, as mesmas que serão apresentadas aos jurados sorteados pela juíza Marivone Koncikoski Abreu, da 1ª Vara Criminal de São José.
A sentença que determinou o júri popular, na avaliação dos advogados da defesa, já desfaz a ligação entre o PGC e o acusado de executar o crime no beco João Fernando Pereira, bairro do Roçado, em São José, há quatro anos. No dia 12 de fevereiro de 2015, o juiz Otávio José Minatto retirou a acusação do crime conexo de formação de quadrilha de Marciano Carvalho dos Santos, autor do crime, segundo a denúncia. Na mesma sentença, o juiz afastou do crime de homicídio os réus Fabrício de Oliveira e Oldemar da Silva.
Também foi retirada a mesma acusação de homicídio contra a advogada Fernanda Fleck Freitas. De acordo com a denúncia oferecida em 22 de janeiro de 2013, Fernanda teria repassado a ordem para execução do marido de Deise e então diretor do Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara, Carlos Alves, para outros dois integrantes do PGC que estavam fora do sistema prisional: Rafael de Brito “Shrek” e Oldemar da Silva “Mancha”. No entanto, nenhuma prova que confirmasse tal mensagem foi apresentada.
“Tocante à acusada Fernanda Fleck Freitas, o próprio Ministério Público entendeu que os dois fatos que alicerçam a acusação – apreensão de uma carta escrita por ela cujo teor, pelos jargões utilizados, permitiria a conclusão de que fosse integrante do PGC e visitação aos líderes da citada facção na data do fato e em dias anteriores – não se prestam como indícios suficientes de autoria a afiançar a remessa para julgamento pelo Conselho de Sentença”.
De acordo com o MPSC, o crime foi encomendado pelo comando do PGC, conhecido como 1º Ministério, pois Carlos Alves retirou regalias dos presos quando assumiu o comando da instituição penitenciária em junho de 2010.
Seguindo os fatos narrados pela denúncia, Rafael e Oldemar teriam acionado Fabrício da Rosa e Marciano para executar o crime. Rafael de Brito , o “Shrek”, não foi localizado até agora e a acusação contra ele foi suspensa por determinação da Justiça. “Mancha” e Fabrício da Rosa também ficaram fora da mesma acusação de quadrilha a pedido do próprio MPSC. “A acusação tal como posta na peça exordial está estribada com estribo nos depoimentos de testemunhas protegidas, prestados ainda na Delegacia, os quais, contudo, não foram confirmados na fase judicial em virtude da retratação dos testigos”, afirma o juiz na sua sentença em 2015 em relação aos dois denunciados pelo MPSC e o recuo das testemunhas durante o processo criminal.

“O sistema prisional buscou achar um culpado”, afirma advogada de defesa.
No mesmo sentido de exclusão da relação com os líderes da facção, o magistrado retirou a acusação de quadrilha de Marciano, que aguardou o julgamento em liberdade desde 2012. O réu será julgado pelo júri popular apenas pelo homicídio. “A instrução em juízo não se prestou a demonstrar, com o grau de suficiência necessário para a pronúncia, os caracteres de estabilidade ou permanência da participação dele na quadrilha, uma vez que nenhuma testemunha – nisso incluídos os Delegados de Polícia – foi capaz de apontar elementos mínimos para confortar a tese acusatória de efetivo engajamento ao PGC”, admitiu Minatto.
“O acervo probatório está muito frágil. O sistema prisional buscou achar um culpado. A família da Deise está sofrendo, mas não se pode condenar alguém com tantas de incertezas”, afirma Nathalia Poeta, advogada de Gian Carlos Kazmirski, conhecido como “Jango”, supostamente parte do comando do PGC e acusado de ser um dos mandantes do homicídio, segundo a denúncia oferecida pela MPSC. De acordo com a advogada, das seis testemunhas ouvidas durante o inquérito policial e protegidas pela Justiça, cinco delas voltaram atrás em seus depoimentos. “São presos que informaram terem sido pressionados na época para depor contra os acusados”, diz a advogada nomeada pela Justiça.
A defensora de Kazmirski também afirma que seu cliente e os demais acusados de fazerem parte da facção criminosa denunciaram terem sofrido punições coletivas e tortura dentro do Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara ainda em janeiro de 2005. O documento deverá ser usado pela defesa para tentar demonstrar que Kazmirski e Evandro Sérgio da Silva, conhecido como “Nego Evandro”, também acusado de ordenar a morte do marido de Deise foram perseguidos sete anos antes do crime pela direção do sistema prisional.
Na parte da sentença do juiz Minatto com relação ao crime de homicídio e a acusação contra Marciano Carvalho também é outro ponto que será explorado pelos defensores dos réus. Segundo a denúncia, as investigações apontaram que Deise estava chegando em casa e já havia uma campana. Quando ela chegou no local, carro teria sido atingido no vidro traseiro e logo em seguida um outro disparo na direção da vítima. Porém, antes de morrer, Deise efetuou um disparo. Momentos depois, Marciano deu entrada em hospital com ferimento de arma de fogo, e a partir deste momento entrou para a condição de suspeito.
Ao ser interrogado na delegacia, Marciano disse que teria sido atingido por disparos aleatórios de um carro quando caminhava pela rua depois de ter ido ao supermercado perto da sua casa. Depois, disse que teria mentido para proteger um amigo, dono da arma que o atingiu por um disparo acidental. Afirmou que optou por não falar a verdade desde o início porque temia represálias e também para não prejudicar a pessoa que portava a arma. O acusado diz que quando solicitou ao delegado nova oportunidade para dizer a verdade, “a autoridade não aceitara e o forçou a dar um segundo depoimento cujo teor desconhece.”
Sobre a segunda versão do réu, o juiz aceita as dúvidas, mas não as reverte em favor de Marciano Carvalho, apesar do depoimento de outras testemunhas encontradas pela defesa durante a instrução criminal:
“A segunda versão – e isso não se pode negar – encontrou certo respaldo nas declarações das testemunhas arroladas pela douta defesa, na medida em que elas afirmaram que estavam reunidas em grupo de oração na casa de Janito Lamim quando notaram o disparo acidental sofrido por Marciano. Algumas delas, inclusive, relataram que ouviram Marciano pedir socorro ao pai (arquivo audiovisual – testemunhas Crislaine da Silva, Edson Luiz Castanha, Janito Lamim, Orli Antunes dos Santos, Paulo Ceser de Freitas e Solange Aparecida da Silva). Isso, contudo, não é capaz de afastar os indícios suficientes de autoria acima apontados; ao reverso, aponta para a existência de duas versões acerca do ocorrido no dia 26 de outubro de 2012, as quais, embora conflitantes entre si, não afastam a possibilidade de Marciano Carvalho dos Santos ter sido o executor do crime de homicídio de Deise Fernanda Melo Pereira.” (Leia abaixo as alegações da defesa do réu relacionados com o disparo que o atingiu e outros pontos da investigação e acusação contestados)
Tortura e pressão para confessar ou teses “a beira do ridículo”
Em entrevista ao site, o promotor Márcio Cota, um dos promotores que vai atuar na acusação do júri popular, preferiu não adiantar os principais argumentos que vai usar no júri popular, mas disse que “algumas teses da defesa beiram ao ridículo”. Segundo Cota, Alves criou um regime “quase militar” em São Pedro de Alcântara e que antes dele, os presos escolhiam até mesmo a escala dos agentes prisionais. Por sufocar os ganhar financeiros da facção, segundo a promotoria, os interesses dos líderes foram contrariados pelo diretor. “Convido o senhor a assistir os debates, pois temos certeza que o autor e os quatro mandantes serão condenados”, resumiu Cota ao Farol Reportagem. Além de “Nego Evandro” e “Jango” também são acusados de mandantes do crime Adílio Ferreira, conhecido como Cartucho, e Rudinei do Prado, o Derru.
No caso de Derru, como revelou com exclusividade a série Crimes no Cárcere, também aparece a acusação de tortura e pressão para que ele assumisse o crime. Segundo o preso, depois de tomar choques e passar cinco dias sem comer, pois acreditava que seria envenenado pelos agentes prisionais, disse ter acordado desmaiado e preso nas grades da sua cela com a cabeça virada para baixo. Apontado como um dos líderes do PGC, o acusado fez este relato em março de 2013 e é um dos 68 presos torturados em novembro de 2012 no Complexo de São Pedro de Alcântara. Carlos Alves é acusado pelo MPSC de ser executor das sessões de tortura e que segundo a denúncia, era uma vingança contra a morte de Deise Alves. Segundo o detento, a sessão de tortura foi uma tentativa de fazer com que ele confessasse a participação da facção criminosa no assassinato da esposa do então diretor da unidade prisional, Carlos Alves.
Além de Derru, um dos acusados pela morte da agente Deise Alves, mais seis presos também relataram terem sofrido sessões de tortura antes e após o homicídio da agente prisional. Depois do crime, os sete presos foram transferidos para o Presídio Federal de Mossoró (RN). Os depoimentos fazem parte da Informação nº005/2013, da Ouvidoria do Sistema Penitenciário Nacional, órgão vinculado ao Depen (Departamento Penitenciário Nacional), do MJ (Ministério da Justiça). O documento foi protocolado em abril de 2015 no processo de improbidade administrativa contra os 16 agentes prisionais acusados de tortura no Complexo Prisional de São Pedro de Alcântara.
O relatório é assinado em 5 de abril de 2013 por Naum Pereira de Souza, sociólogo da Ouvidoria do Sistema Penitenciário e Valdirene Daufemback, também do mesmo órgão federal. Todos os sete detentos foram ouvidos no dia 14 de março de 2013. No relatório, os dois integrantes da Ouvidoria afirmam que os casos narrados pelas vítimas apontavam para “indícios” de que um grupo de agentes penitenciários age desde 2011 no sistema prisional catarinense como uma “milícia”.
Duas alegações da defesa de Marciano Carvalho
Corte de regalias, o principal motivo do crime – Para o defensor o réu, o advogado Isaac Matos Pereira, não ficou comprovado no processo quais seriam a regalias cortadas por Carlos Alves durante sua gestão em São Pedro de Alcântara. Pereira questiona o motivo do crime citando dois trechos do depoimento de Alves:
[…]“que nós reunimos nessa galeria do pavilhão 4 essas lideranças, e os principais, inclusive, os que a gente deixou na mesma cela, o Evandro, Derru, Cartucho, Adílio, o Gean e tinha mais um também que não me recordo agora, que estava na mesma cela justamente por serem considerados e reconhecidos como liderança do PGC; que nada acontecia sem o aval desses homens;” […] “que são chamados de 1º Ministério e que tem que passar por eles para ter o aval, tanto dentro da penitenciária como crimes aí fora, assaltos, tráfico de drogas, armas;”[…]
E questiona: “Ora Excelência, se o intuito fosse o de impedir, impossibilitar ou até mesmo dificultar o contato dos supostos líderes de uma organização criminosa, para que não continuassem deliberando, em forma de colegiado, então por que reuniu, muito tempo antes dos acontecimentos, os principais líderes em uma cela? Aí perguntamos, isto facilitaria ou dificultaria a tomada de decisões por parte daquele 1º Ministério? Perguntamos qual o interesse teria Sr. Carlos Antônio Gonçalves Alves, no exercício da direção do ergástulo, em manter supostos integrantes de uma facção criminosa na mesma cela? A decisão do suposto PGC não é dada de forma colegiada?
Munição da arma de Deise Alves:
Segundo a defesa de Marciano, se o réu fosse atingido com a munição existente dentro da arma da vítima, todas do tipo Expo Gold, ponta oca, ele não sairia de lá caminhando. “Pois tal poder de impacto deste tipo de munição esfacelaria sua perna e ficaria muito sangue dele no chão, o suficiente para a realização de uma perícia genética no sangue para identificação biológica do agressor!”, contesta Isaac Pereira. Segundo a defesa, as munições de ponta oca ou “hollow point”, são “projéteis de expansão” e artefato expande o tecido atingido, fazendo um buraco ao atingir o corpo humano.
Sentença da pronúncia sobre homicídio aponta versões conflitantes
A decisão do magistrado, de 12 de fevereiro de 2015, afasta do julgamento popular três peças chaves apontadas pelo inquérito policial que podem enfraquecer as teses da acusação. Isso porque não serão julgados ou responsabilizados diretamente pelo homicídio os agentes inicialmente apontados como o mensageiro da ordem para o ataque, Fernanda Fleck, aquele que teria conseguido a arma, Fábio da Rosa, e o suposto motorista da fuga, Oldemar da Silva.
A improcedência contra os três para o crime de homicídio foi apontada pelo Ministério Público: “não existem indícios suficientes de autoria, conclusão a que se chega notadamente a partir da prova oral colhida no curso da instrução processual”. Segundo o juiz, no entanto, a formação de quadrilha restou configurada para os demais acusados.
“Pelo exposto, vislumbro a possibilidade, além do crime de homicídio, da prática do delito de formação de quadrilha armada por Adílio Ferreira, Evandro Sérgio Silva, Gian Carlos Kazmirski e Rudinei Ribeiro do Prado. Tocante aos réus Fabrício da Rosa, Fernanda Fleck Freitas e Oldemar da Silva, por terem sido impronunciados pelo crime contra a vida, o julgamento do conexo deve aguardar a preclusão da presente decisão interlocutória mista não terminativa. Por fim, à míngua de indícios suficientes de autoria, o acusado Marciano Carvalho dos Santos deverá ser impronunciado somente pelo delito conexo”.
Testemunhas protegidas não confirmam crime
Segundo o magistrado, a acusação na fase policial está baseada no depoimento de pelo menos três testemunhas protegidas, sendo que duas delas acabaram não confirmando os mesmos relatos na fase de instrução processual. Segundo Minatto, uma das testemunhas teria afirmado em depoimento policial que tinha conhecimento da “missão” que teria sido dada por Fabrício da Rosa, para “matar o Diretor de São Pedro de Alcântara, Carlos”. Outra testemunha chegou a afirmar em juízo que foi pressionada pelos policiais para dar a versão inicialmente registrada. O único relato que se manteve, no entanto, também acabou descartado por apontar contrariedade quanto ao relato de uma das testemunhas ocular arrolada nos autos.
Segundo o depoimento na delegacia, a primeira testemunha protegida teria afirmado: “que no dia 19 de outubro do ano corrente, os indivíduos conhecidos pelas alcunhas de ‘Shrek’ e ‘Mancha’ fugiram do regime semi-aberto da Palhoça; Que tais pessoas permaneceram no bairro José Nitro, em São José, pernoitando em várias residências diferentes neste período; que na sexta-feira a pessoa de ‘Shrek’ chegou a comentar que o ‘Fabrício só metia eles em roubada’, referindo-se a uma missão que teria sido dada a tais pessoas; Que a missão seria matar o Diretor de São Pedro de Alcântara, Carlos, o qual reside no Roçado; Que na sexta-feira o ‘Shrek’, ‘Mancha’ e o ‘Marciano’, usando um veículo Fiesta, na cor verde escuro, afirmaram que iriam realizar a missão; Que na madrugada retornaram ao bairro José Nitro a pessoa de ‘Shrek’ e ‘Mancha’, afirmando que tinha dado tudo certo, porém, que não era o alvo, usando a seguinte expressão ‘que teriam matado a cadela’, referindo a esposa do Diretor de São Pedro […] – fls. 49/51”.
Mas as afirmações não foram mantidas em juízo, conforme aponta o magistrado. A testemunha negou ter ouvido qualquer informação sobre o crime e disse desconhecer que havia ordem para matar o então diretor de São Pedro de Alcântara:
“No mais, afirmou que só ficou sabendo dos fatos pela televisão e que Oldemar não estava no bairro José Nitro. Por fim, negou ter afirmado que ‘Shrek’, ‘Mancha’ e Marciano foram até a casa da vítima utilizando um veículo Fiesta e também que o crime fora cometido contra a pessoa errada, já que teriam matado a ‘cadela’ por engano”, apresenta o juiz.
Juiz reconhece insuficiente preservação do local do fato, mas mantém relatório pericial como prova
A defesa de Marciano Carvalho dos Santos sustentou a nulidade da perícia feita no local do crime pelo perito Luciano Ribeiro da Costa, do Instituto Geral de Perícias (IGP). Segundo o advogado, Isaac Matos Pereira, os dados contidos no laudo apontariam manipulação do local do crime e ainda uma incompatibilidade entre o projétil que teria ferido seu cliente e a munição que constava na arma da agente penitenciária.
Além do sumiço das vestes da vítima da cena do crime, também não teria sido encontrado até hoje o projétil que teria ferido e matado Deise Alves. Para o magistrado, as inconsistências sobre a preservação do local do crime foram relatados pelo perito e destacadas na denúncia. No entanto, o magistrado negou o pedido de nulidade da defesa:
“Quanto à insuficiente preservação do local do fato, constata-se que tal circunstância foi devidamente destacada no laudo, o que demonstra imparcialidade do experto”, sustentou o juiz Minatto que emenda que tal tese levaria em conta um verdadeiro conluio entre as diferentes instituições de segurança do Estado, que não restou comprovado pela defesa de Marciano.
“Ademais, incontroversa a inidoneidade do local, a defesa preocupouse em lançar ilações sobre uma suposta atuação deliberada dos agentes de todos os segmentos da segurança pública – Polícia Civil, Polícia Militar, Agentes Penitenciários – em alterar o local do crime, sugerindo, nas entrelinhas, uma intenção proposital de dificultar as investigações. Não foram, todavia, apontados dados concretos para lastrear a tese formulada”, sentenciou, apontando que tais ilações entre as forças de segurança poderão ser lançadas pelo defensor ao corpo de jurados:
“Eventuais dúvidas e ilações, como as apontadas pelo combativo defensor do réu Marciano Carvalho dos Santos, poderão ser lançadas aos jurados em momento oportuno, os quais, como dito, têm a prerrogativa de desconsiderar a prova e absolver o réu”.
Testemunha ocular mudou versão sobre autor do crime
A principal testemunha do crime arrolada nos autos disse ter visto o homem com a arma, o carro e ouvido os disparos, na noite daquele 26 de outubro de 2012. No entanto, a versão sobre os detalhes que apontariam Marciano carvalho dos Santos como autor do crime mudaram nos depoimentos prestados pela testemunha.
Num primeiro depoimento, a mulher informou que estava ao telefone, na sacada de casa, quando ouviu três disparos no interior da garagem de Deise Alves. Na sequência, teria visto um homem de boné branco, de aparência alta e magra e com uma pistola do tamanho de uma “furadeira” deixando o local.
Em outro depoimento, dado no mesmo dia do crime, a mesma testemunha afirmou que o boné do autor seria preto, e não branco. A defesa recorreu em juízo alegando as disparidades entre os depoimentos da testemunha, afirmando que o réu é de estatura mediana e não é magro. A defesa também argumentou que apesar de estar na sacada de casa a testemunha não teria presenciado o primeiro disparo, que teria sido feito ainda da rua, do lado de fora da garagem:
“Pois bem, esta terceira testemunha, em dois depoimentos discordou da cor do boné do rapaz o qual saiu correndo da garagem da residência da vítima, porém, de branco para preto vai uma grande diferença”, argumentou o advogado Isaac Matos Pereira.
Ele ainda lembra o depoimento de uma segunda testemunha ocular, que afirmou ainda que o homem que saiu da garagem estaria com um pano enrolado no rosto, algo que não foi mencionado pela testemunha anterior:
“A segunda testemunha viu o suspeito sair correndo, enquanto a terceira o viu sair saltitando, a segunda viu algo enrolado no rosto daquele, enquanto a terceira nada viu no rosto daquele suspeito”, descreveu o defensor.
Ainda assim, o acusado foi reconhecido pessoalmente pela mesma testemunha, pois, ao ser indagada sobre quem era o indivíduo que praticou o delito, havendo outros três homens presentes no recinto, identificou “com absoluta certeza, o masculino de nº 03, Marciano Carvalho Dos Santos, como sendo a pessoa que portando uma arma de fogo.
Outras duas testemunhas, um vizinho e um parente de Deise também apresentaram suas versões sobre o crime, que segundo a defesa também são conflitantes entre si. Uma das testemunhas teria inicialmente afirmado que se trataria de um acidente, o que teria lhe motivado desmuniciar a arma da vítima. As versões também seriam conflitantes sobre quem teria chegado primeiro na cena do crime.
No entanto, o magistrado entendeu que o reconhecimento fotográfico reunia elementos suficientes para manter as suspeitas de autoria sobre Marciano Carvalho dos Santos, motivo pelo qual decidiu não anular o depoimento da testemunha ocular.
MP sustenta versão de vingança por linha dura
Em linhas gerais, refere o Ministério Público de Santa Catarina que, em razão do inconformismo com a forma de administração da Penitenciária de São Pedro de Alcântara, os líderes do PGC, utilizando-se de pessoa interposta, teriam passado aos seus subordinados em liberdade a missão de ceifar a vida do Diretor do referido estabelecimento prisional, Carlos Antônio Gonçalves Alves. Entretanto, porque estava utilizando o veículo de seu esposo, a agente prisional Deise Fernanda Melo Pereira foi confundida com Carlos e vitimada no lugar dele.
Ex-diretor da unidade prisional apontou carta do PGC como prova
Entre as provas apresentadas para justificar que Deise Alves teria morrido por engano no lugar do marido, Carlos Alves, está uma carta apresentada pelo então diretor do Complexo Prisional de São Pedro de Alcântara e aceita pela Justiça.
Carlos Alves sustenta que quando era diretor da unidade teria adotado política de endurecimento contra os membros do PGC e cortado “regalias” antes permitida pelos seus antecessores, motivo pelo qual afirma ter passado a sofrer ameaças dos internos. No entanto, nenhuma investigação interna é apontada para atestar a chamada “ingerência” dos detentos sobre as administrações anteriores:
“Antes de sua administração, os líderes do PGC tinham ingerência, inclusive, sobre a escala de serviço, já que definiam qual agente trabalharia em determinados pavimentos. Foi a partir de sua chegada que eles perderam esse comando, além de outras regalias e fontes de receita, nestas incluídos o comércio de cigarro e uma espécie de loteria”, descreve o juiz Minatto.
Uma carta que teria sido confeccionada pelo chamado Conselho do Primeiro Ministério, órgão máximo da organização criminosa de onde partiria qualquer decisão sobre crimes, foi arrolada como prova cabal da insatisfação dos detentos com o então diretor:
“(…) ENTÃO ERMÃOS VOU PROCURAR SER BEM OBJETIVO AOS ERMÃOS POIS NUNCA SE SABE SE O VERME VAI DEIXAR OS ERMÃOS AQUI OU NÃO, POIS NA VERDADE O BARATO TÁ BEM LOCÃO COM ESSE MERVE(VERME) SE DECLAROU INIMIGO E COM IDEIAS DE DESARTICULAR O PGC. ENFIM ERMÃOS O GADO PASSOU DE TODOS OS LIMITES NÃO TEM IDEIA COM ESSE VERME TUDO QUE FALA NÃO CUMPRE SO MENTIRAS E DESRESPEITO. MUITA IDEIA CAIU NA MÃO DELE NOS ÚLTIMOS TEMPO, O SISTEMA FOI SENDO ARROXADO AOS POUCOS ESSE VERME É UM GRANDE ESTRATEGISTA, PROCURAMOS OS CAMINHOS ÚNICO PARA A SOLUÇÃO QUE É ELE MESMO MAIS ATÉ ENTÃO SEM SUCESSO SÓ QUE NÃO DESISTIMOS, TEMOS MAQUINAS E MUITA VONTADE DE ACHAR ESSE MALEDITO E PICAR DE BICUDO(…)”
Carlos Alves permaneceu diretor da Penitenciária de São Pedro de Alcântara por 2 anos e meio, desde junho de 2010, sendo afastado do cargo em novembro de 2012, após constatação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos de atos de torturas praticados contra 68 presos da unidade.
Em sua página pessoal no facebook, no último dia 23 de novembro, o ex-diretor Carlos Alves se manifestou sobre o julgamento da ex-mulher e afirma que os autores do crime têm “certeza da impunidade” onde reitera que o motivo do crime seria o tratamento que passaram a receber após seu ingresso na unidade:
“Resumindo, cometeram o crime porque queriam continuar dominando o crime e o Estado de onde estavam, como se presos não fossem. E que não apareça nenhum defensor de bandido me dizer que lá eram mal tratados, porque é uma grande mentira”, escreveu Carlos Alves.
Versões conflitantes não afastaram indícios
Mesmo diante de versões diferentes sobre o que teria ocorrido na noite do dia 21 de outubro de 2012 no bairro Roçado, em São José, o juiz Otávio José Minatto aponta que tais fatos “não afastam a possibilidade de ‘Nego Evandro’, ‘Derru’ ‘Cartucho’ e ‘Jango’ serem os mandantes do crime”, como narra na pronúncia.
No entanto, o juiz reconheceu não haver indícios que ligariam a execução ou o mando do homicídio com os acusados como mensageiro, o motorista e o que teria conseguido a arma com o crime.
“No tocante aos réus Fabrício da Rosa e Oldemar da Silva, entendo que razão assiste ao Promotor de Justiça quando, em alegações finais, requereu a impronúncia, visto que não existem indícios suficientes de autoria, conclusão a que se chega notadamente a partir da prova oral colhida no curso da instrução processual”. Enquanto Oldemar é apontado como motorista da fuga, Fabrício teria intermediado o acesso à arma do crime.
Já sobre a advogada Fernanda Fleck Freitas, apontada como a pessoa que teria levado a mensagem da ordem do crime de dentro da cadeia para os executores, a Justiça também afirmou não ter nenhuma prova, além de uma carta que ligaria ela ao PGC, para sustentar que de fato teria mesmo transportado tal mensagem. A advogada foi citada apenas pelos policiais que lideraram a investigação, não sendo indicada por nenhuma outra testemunha em toda a fase de instrução do processo:
“Assim, a inexistência de indícios precisos, concordantes e convincentes para estabelecer o necessário liame entre Fabrício da Rosa, Oldemar da Silva e Fernanda Fleck Freitas e o crime narrado na Denúncia, evidencia fragilidade demasiada para permitir sejam eles levados a julgamento pelo Tribunal do Júri”, pronunciou Minatto.
Com relação aos acusados Adílio Ferreira, Evandro Sérgio Silva, Gian Carlos Kazmirski e Rudinei Ribeiro do Prado, o juiz aponta que “há indícios suficientes de que integram o Primeiro Ministério (órgão de cúpula) da facção amplamente conhecida como Primeiro Grupo Catarinense e, inclusive, deles teria partido a ordem de matar Carlos Antônio Gonçalves Alves, mas que resultou na morte da esposa dele, a agente prisional Deise Fernanda Melo Pereira”.
Ouvidor nacional que confirmou tortura se recusou a depor
Em novembro de 2012, após as denuncias de tortura no interior da unidade prisional de São Pedro de Alcântara, o ouvidor nacional de Direitos Humanos, Bruno Renato Teixeira, compareceu à unidade onde verificou indícios de crimes praticados pela administração da unidade contra pelo menos 68 detentos. As sessões de tortura teriam sido comandadas por Carlos Alves.
Adílio Ferreira, um dos agredidos, pediu que o ouvidor fosse ouvido como testemunha no processo que investiga a morte de Deise Alves. No entanto, mesmo intimado mais de uma vez, o ouvido nacional não prestou depoimento. Restando, por fim, descartada pela Justiça a necessidade de colher depoimento do ouvidor.
Foto de capa: James Tavares/Secom